Uma em cada dez estudantes engravida antes dos 15 anos. No Brasil, a taxa de fecundidade só cresce entre as adolescentes
PALOMA COTES, CARLA ARANHA E DANIELA BARBI, COM MARCO BAHÉ E RAFAEL PEREIRA
Otávio Dias de Oliveira/ÉPOCA
Otávio Dias de Oliveira/ÉPOCA
''Eu achava que tudo o que meus pais falavam era bobagem. Agora, entendo o que eles diziam'' FAIOLE MARTINS PINTO, 16 ANOS, estudante.
A pesquisa Juventudes e Sexualidade, da Unesco, traz uma cifra espantosa:uma em cada dez estudantes engravida antes dos 15 anos. Isso significa que a adolescente brasileira tem mais probabilidade de engravidar (acontece com 14%) do que se formar numa faculdade (hoje, só 7% das mulheres possuem diploma de curso superior, segundo o IBGE). Entre as garotas com menos de 19 anos, a proporção de grávidas cresce desde a década de 70, ao contrário do que ocorre em todas as outras faixas etárias. Só no Estado de São Paulo, nos últimos cinco anos, nasceram cerca de 650 mil crianças da barriga dessas meninas-mães, mais que a população de uma cidade como São José dos Campos. As adolescentes são responsáveis por quase 20% dos bebês paulistas.
Em maior ou menor grau, todas essas jovens deixam sonhos de lado para assumir uma responsabilidade grande demais para sua idade. Há seis meses a paulistana Faiole Martins Pinto, de 16 anos, trocou as baladas pelas fraldas. ''Antes, eu achava bobagem tudo o que meus pais falavam. Agora, entendo'', afirma. Faiole não abandonou a escola nem precisou trabalhar, problemas que acometem a maioria das mães adolescentes. Mas abriu mão das amigas e da liberdade de viver com o namorado, de 19 anos, que ficou desempregado. Sem dinheiro, Faiole voltou a morar com os pais.
Em dez anos, a parcela de grávidas da classe média cresceu 34%
O fenômeno se espalha por toda a pirâmide social. Famílias que ganham até um salário mínimo per capita concentram 65% das adolescentes grávidas - quase a metade delas no Norte e Nordeste, as regiões mais pobres do país. Dados da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), instituto de saúde pública do Rio de Janeiro, mostram que 70% dessas mães ficarão desempregadas depois. ''A mãe adolescente pobre vai perpetuar a pobreza. É uma armadilha contra o desenvolvimento'', diz o economista Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas. Na classe média, a gravidez inesperada atrapalha os estudos da jovem, suas perspectivas de carreira e de relacionamentos futuros (a relação que originou a gravidez quase nunca dura). Quando a gravidez prossegue, o bebê também pesa nos ombros dos avós - no mínimo, como uma bomba sobre as finanças familiares. Calcula-se que criar um filho de classe média, estudando em escola particular, custe R$ 420 mil, do nascimento aos 21 anos. E a avó acaba sendo requisitada para cuidar da criança, justamente na hora em que o esforço para criar os filhos parecia próximo do fim.
Mirian Fichtner/ÉPOCA
''Eu dizia que nunca ia fazer uma burrice dessas''
NAYARA FERREIRA, 17 ANOS (no centro), estudante e irmã de Luana, que foi mãe de Maria Eduarda (à dir.) aos 14 e agora espera o segundo filho
O que mais espanta nas estatísticas, porém, é como tem crescido a proporção de adolescentes grávidas em famílias abastadas, com acesso a informação, orientação médica e anticoncepcionais. O número de nascimentos só não é maior por causa dos abortos, feitos em clínicas clandestinas. Mesmo assim, em dez anos, a participação das garotas de classe média entre as grávidas aumentou 34% e já se reflete na rede de saúde particular. Nesse período, os partos de adolescentes no Hospital São Luiz, uma das maiores maternidades de São Paulo, quadruplicaram.
Esses jovens pais e mães estudam em colégios privados e crescem num ambiente em que se ouve falar de sexo seguro abertamente - quando não na sala de jantar, ao menos na TV e nas revistas. ''O pai compra um ótimo livro sobre sexualidade para o filho, com a maior boa vontade, e acha que já fez tudo'', diz a psicóloga Patrícia de Souza. É uma questão que afronta as soluções óbvias. Ao contrário de gerações anteriores, os jovens de hoje são bombardeados pelas campanhas publicitárias e pela educação sexual no colégio. Mas é surpreendente como velhos tabus e fantasias ainda os confundem. ''Em pleno século XXI, muitas garotas crêem que não há perigo de engravidar na primeira transa'', diz a psicanalista carioca Marilyn de Oliveira, que assessora escolas particulares. Infelizmente, nessa idade, a chance de engravidar com uma única relação sexual, na semana que antecede a ovulação, é de 20% - uma em cinco, risco maior que o de levar um tiro num apertar de gatilho de roleta-russa (que é de 17%). Os garotos, por sua vez, se recusam a usar camisinha na primeira relação sexual (e nas outras também). ''O menino tem medo de broxar com o preservativo. E as meninas têm medo de insistir para que ele use a camisinha'', diz Albertina Duarte, coordenadora do Programa de Atendimento Integral à Saúde do Adolescente.
#Q:Mães antes da hora - continuação:#
A mulher só está fisicamente pronta para ser mãe aos 19 anos
Se a camisinha é desprezada, a pílula, nem se fala. Mesmo quem conhece os métodos de prevenção os utiliza de forma precária. ''Eu não tomava pílula porque tinha medo de engordar. Usava camisinha. Quando não tinha, partia para a pílula do dia seguinte. Mas ela não é 100% segura'', diz a estudante Paula Andreotti, de 20 anos, que engravidou aos 17. De fato, tomada até 24 horas depois da relação sexual, ela tem 95% de eficácia. Mas, se usada repetidamente, a pílula perde a eficácia. Paula estava decolando na carreira de modelo e, ao descobrir a gravidez, teve de rasgar um contrato para desfilar em Milão. Passou nove meses rejeitando o bebê. ''Na faculdade, usava roupas largas para esconder a barriga e não conversava com ninguém'', conta. ''Tinha medo de ficar gorda e com o peito caído depois do parto'', lembra. O temor faz sentido. ''Uma mulher está pronta para parir a partir dos 19 anos, idade em que o corpo e os ovários estão maduros'', diz o ginecologista Alberto D'Auria, do São Luiz. Antes disso, quanto mais nova for, mais riscos corre - inclusive os estéticos. Nessa idade, os picos de hormônios aumentam a propensão a estrias.
Otávio Dias de Oliveira/ÉPOCA
''Eu não usava anticoncepcional sempre.
Só camisinha ou a pílula do dia seguinte''
PAULA ANDREOTTI, 20 ANOS,
estudante, mãe aos 17
Como as mães mais velhas, elas também precisam adaptar seu estilo de vida. Adeus baladas, festas, namoros e vida social agitada. ''Dá uma sensação de que o tempo está passando e você ficando para trás'', explica a engenheira industrial Ana Carolina Senaga, mãe aos 17 anos. ''Perdi todos os anos de minha adolescência. Não dava para dormir fora nem viajar sozinha. Tudo o que você faz, depois que o filho nasce, tem de ser a dois: você e ele'', conta. Hoje, aos 27, ela quer aproveitar a vida. Não é fácil. Segundo essas mães, arrumar um namorado fica complicado. Os homens não costumam ser compreensivos com mulheres nessa situação. E os níveis de exigência delas crescem. ''Não é todo o mundo que entende'', conta Ana Carolina, que está engatando um novo relacionamento. ''Antes de se apaixonar por mim, já aviso que tem de gostar do Kainan. E, se ele não gostar do sujeito, eu também não namoro'', reforça Paula.
Boa parte das adolescentes engravida num momento em que está questionando seu lugar na sociedade. ''Nesse período da vida, há o desejo inconsciente e muitas vezes ambivalente de se afirmar como mulher sexualmente ativa e como mãe'', diz a pediatra Evelyn Eisenstein. ''Mesmo sem se dar conta disso, as garotas tentam compensar insatisfações e tristezas buscando um objeto de amor, que pode ser um filho, para preencher um sentimento de vazio interior'', explica. Entre muitas jovens pobres, a gravidez também é considerada sinal de status, lembra o ginecologista Amaury Mendes. ''A adolescente deixa de ser vista como filha pela comunidade, para virar mãe, e é mais respeitada por isso'', diz. A recifense Márcia da Silva, caçula da família, desde pequena cuidou dos sobrinhos. Engravidar virou seu projeto de vida. Era sinônimo de maturidade e libertação. ''Eu queria ter meu próprio filho e ser respeitada'', conta. Aos 13 anos, Márcia envolveu-se com um rapaz oito anos mais velho. A gravidez veio em seguida. Um ano depois, alçada à condição de mulher adulta pela comunidade, Márcia largou o namorado e ganhou liberdade para usufruir sua sexualidade, embora ainda seja sustentada pelos pais. ''Antes, não me deixavam nem sair para as festas. Agora que não devo mais nada a ninguém, quero conhecer outros garotos'', diz, contrariando a lógica que permeia a vida de mães adolescentes do Sudeste. É um caso típico de ''mito da Cinderela''. ''Como nos contos de fadas, elas acreditam estar assegurando seu futuro através de um príncipe encantado, um provedor'', diz a especialista em terapia familiar pela Universidade Federal de Pernambuco e pediatra Maria das Graças Pires. Mas, nesses contos de fadas, dificilmente há final feliz. Em geral, os rapazes caem fora quando a gravidez começa a transformar o corpo das adolescentes. Cerca de 72% delas acabam ficando mesmo na casa dos pais - e, dali em diante, com dificuldades para arranjar namorado permanente.
Mãe há cinco meses, Silvia, de apenas 11 anos, sonhava com um lar e uma família quando começou a transar com o namorado, quatro anos mais velho. Ao saber da notícia, o rapaz mudou de bairro. Silvia deixou a escola e trabalha como garçonete. ''Pensei em tirar o bebê, mas minha mãe disse que agora eu tinha de assumir'', conta. Mais sorte teve a carioca Luiza Barbosa, que engravidou aos 14 anos, do primeiro namorado. O relacionamento durou menos de um mês após o parto. Mas a família de Luiza não teve dificuldade para acolher mais um no confortável apartamento. Sempre com a mãe por perto, a menina só interrompeu a escola por 40 dias e amamentou até os seis meses. Atualmente, aos 20 anos, cursa Medicina. Também vai à praia, a boates e sai com os amigos. ''Devo isso a minha mãe'', diz Luiza, que sabe bem que é uma exceção.
Alexandre Belem/ÉPOCA
''Antes, não me deixavam fazer nada. Não podia nem sair para as festas. Agora que sou mãe, não devo mais nada a ninguém''
MÁRCIA DA SILVA, 14 ANOS, mãe aos 13 anos, sustentada pelo pai
Costuma-se sugerir que os filhos de adolescentes terminam rejeitados e problemáticos. Isso não é necessariamente verdade. Muitas mães precoces se adaptam bem ao novo papel. ''No momento do parto, entendi o significado da palavra mãe. E que meu filho não tinha culpa de nada'', diz Paula sobre Kainan, hoje com 2 anos. ''Ele é tudo para mim'', orgulha-se. Mas pesquisas feitas em São Paulo mostram que outros problemas acontecem. Mães prematuras tendem a ter outro bebê até três anos depois. No Estado, em 1998, foram feitos 45 mil partos de adolescentes que estavam na terceira gravidez. ''Após o primeiro filho, as jovens estão sem perspectiva de trabalho. Se arrumam um namorado, ficam inseguras e não têm coragem de pedir camisinha'', explica Albertina. Outro problema é que as histórias tendem a se repetir dentro das famílias. ''Tenho pacientes bisavós aos 55 anos'', conta o ginecologista Valdir Tadini, da Comissão Estadual da Saúde do Adolescente de São Paulo. Isso ocorre porque os filhos da mãe adolescente acabam seguindo seu exemplo. ''O filho cresce imaginando que a própria vida também não vai ser transformada se for pai ou mãe mais cedo'', diz Tadini.
Cerca de 72% das grávidas acabam morando com os pais
Dentro da casa dos Ferreiras, formou-se uma escadinha. Luana Ferreira, que foi mãe aos 14 anos, viu a história se repetir com a irmã Nayara, que está grávida. Hoje aos 17, Luana diz que ter um filho cedo não mudou sua rotina: ''Sempre tive espírito maternal''. Hoje, aos 19, concilia a segunda gravidez com a faculdade. Já a irmã se ressente. ''Foi um choque para mim'', diz, culpando o ginecologista. ''Quando comecei a namorar, o médico recomendou que eu esperasse a próxima menstruação antes de tomar anticoncepcionais, mas não me orientou sobre o que fazer nesse meio tempo.'' O histórico similar não as fez seguir o mesmo caminho. Luana vive com o pai de seus filhos desde os 12 anos e é uma exceção dentro do quadro nacional. Nayara não sabe se terá futuro ao lado do namorado. ''Estamos juntos há apenas três meses. Não sei se temos a ver'', diz.
Eduardo Monteiro/ÉPOCA
''Depois do filho, amadureci e passei a me cuidar mais. Mas não sou mais livre para fazer o que quero. É como se tivesse sempre uma corrente no meu pé''
LUIZA BARBOSA, 20 ANOS, estudante, mãe aos 14
Gravidez na adolescência é uma questão séria, que precisa ser encarada pelos governos. Pioneiro na implementação de políticas públicas para o jovem, o Estado de São Paulo começa a colher os frutos dessas iniciativas após 16 anos de batalha. Uma delas é a Casa do Adolescente, onde são dadas orientações sobre sexualidade e tanto meninas quanto meninos são atendidos por dentistas, nutricionistas, psicólogos. ''Não recebemos só jovens carentes. A classe média também nos procura'', diz Albertina, uma das coordenadoras do programa. Ali, adolescentes grávidas aprendem a cuidar do bebê, têm uma creche para crianças de até 2 anos - intervalo de tempo necessário para que as jovens recuperem a auto-estima, estudem, arranjem um emprego. O trabalho é preventivo, com oficinas de discussão com parentes dos jovens pais.
Na contramão do país, o Estado de São Paulo conseguiu reduzir a gravidez prematura. Em seis anos, o porcentual de adolescentes que engravidam novamente caiu de 40% para 15%. No mesmo período, o número de partos entre mães de 10 a 19 anos encolheu 21%. Nos últimos três meses, a Casa do Adolescente distribuiu 200 mil preservativos. Parece pouco, mas já é um bom começo
Fonte: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI43004-15228,00-MAES+ANTES+DA+HORA.html
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