CURRÍCULO
X RELAÇÕES DE PODER
Em 1982, Apple, no livro Ideologia e Currículo,
levantou o seguinte questionamento: “como as escolas produzem e reproduzem
formas de consciência que permitem a
manutenção de controle social sem que os grupos dominantes tenham que recorrer
a mecanismos declarados de dominação?”
Com esse questionamento o autor nos leva a refletir
sobre as formas de poder implícitas, não declaradas ou prescritas no currículo
estabelecido às escolas. O autor se refere ao que está implícito nos currículos,
mas que envolve todo o trabalho pedagógico realizado no cotidiano escolar. As mensagens de cunho afetivo que perpetuam
valores, regras de comportamento, ideologias e atitudes que não estão
explicitadas nos documentos, mas que permeiam em toda ação educativa.
Ora reveladas pelo discurso do educador, por
suas crenças e valores que influenciam o seu trabalho, o trabalho de outros
educadores e a formação dos educandos. Tais manifestações interferem na
dimensão cognitiva da aprendizagem e reforçam o condicionamento de posturas.
Para Silva (1996, p. 23):
O currículo é um dos locais privilegiados
onde se entrecruzam saber e poder, representação e domínio, discurso e
regulação. É também no currículo que se
condensam relações de poder que são cruciais para o processo de formação de
subjetividades sociais. Em suma, currículo, poder e identidades sociais estão
mutuamente implicados. O currículo corporifica relações sociais.
Por meio do currículo torna-se possível a
transformação ou manutenção das relações de poder. Por isso, não é neutro. Nele
está contido subjetivamente o tipo de cidadão que se pretende formar. De acordo
com Jesus, em seu conteúdo e formas está oculta a opção historicamente
configurada de um determinado meio cultural, social, político e econômico. Percebe-se
que o currículo e a educação estão ligados à política sendo frutos dos
interesses da classe que, em um determinado período histórico, encontra-se em
uma posição de privilégio na sociedade.
Segundo a professora Sônia Maria Vasconcellos de
Magalhães, “o currículo comporta princípios ideológicos, está vinculado a
contextos sociais, e que há não-ditos e intenções nos documentos escritos sobre
o currículo das escolas.”
São, portanto, essas intenções que implicam em
relações de poder e que necessitam ser identificadas pelos educadores para que
se tornem conscientes do seu papel no processo de formação dos alunos. Desta forma, torna-se urgente promover um
debate sobre o porquê e o como ensinar: Por que ensinar ou continuar ensinando
determinados conteúdos (escolarizados)? Como ensinar para que todos os alunos
possam adquirir os conhecimentos necessários para sua emancipação social?
Esses debates poderiam ser promovidos durante a
construção do Projeto Educativo das escolas, documento no qual se estabelecem
as intenções e as finalidades do ensino que é praticado nas escolas e,
principalmente, sobre o tipo de formação que a instituição pretende para o seu
educando.
No entanto, esse esforço seria infrutífero se o
discurso não alterasse a prática educativa. Tomar consciência das relações de
poder que subjaz o currículo, sem promover uma alteração no trabalho pedagógico
desenvolvido nas escolas não trará avanços à Educação e à sociedade.
Estamos vivendo na Era da Informação, mas
encontramos nas escolas, sobretudo a pública, um Currículo totalmente
desvinculado das transformações tecnológicas que causaram profundas
transformações nas formas de aprender e construir conhecimento, de se comunicar
e de se relacionar. “O impacto das redes de computadores, da
microeletrônica, das telecomunicações é total e pode ser sentido no trabalho,
na educação, na
economia, no entretenimento, nas artes, ou seja, em todas as esferas sociais.”
(Silva, 2006).
No
entanto, o impacto sofrido no setor da educação ainda não foi suficiente para
que os Currículos Escolares fossem reestruturados para atender as necessidades
da sociedade digital, na qual encontramos máquinas inteligentes e escolas que
continuam a formar cidadãos que sofrem com a exclusão digital e social.
Escolas
que não capacitam seus alunos para uma formação crítica para compreender que
vivemos atualmente numa sociedade em rede, para conhecer as consequências de se
viver em rede, para saber compreender e fazer análise crítica das informações
às quais têm acesso e condições para utilizar e produzir mensagens.
Promover
uma educação inteligente certamente é necessidade social e econômica, porém
pode não ser político-ideológica-cultural. Uma educação inteligente
possibilitaria a emancipação da parcela da sociedade que vem sendo iludida com
a falsa modernização das instituições educacionais. Contribuindo, assim, para
que se produzam
e reproduzam formas de consciência; permitindo desta forma a manutenção do
controle social sem que os grupos dominantes tenham que recorrer a mecanismos
declarados de dominação.
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