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quinta-feira, 12 de agosto de 2010

A bola e o livro

Galeno Amorim - 14/07/2010

Publicado em Revista Gestão & Negócios

O sonho de Edward era ser jogador de futebol. Começaria, por certo, no seu glorioso Mirassol Futebol Clube e, depois, num time grande. Quem sabe não ainda virasse ídolo do escrete nacional...
Por falta de treino é que não era. Todo santo dia aquele bando de garotos sem eira nem beira praticava com fervor quase religioso, rumo à glória quase certa. Era o sonho dele. E de milhões de outros Edward pelo (quase) país do futebol da época, em meados do século 20.
E não é que foi mesmo graças, de certa forma, ao futebol que a vida dele deu uma guinada?!
Pois num belo dia, Edward, não mais que oito anos, participava de uma disputadíssima pelada no pátio da escola. Eis que um perna-de-pau qualquer dá um tremendo chutão e a bola vai parar lá longe. Escalado pra resgatar a preciosa, que se enfiara por uma maldita janela aberta, lá foi ele. O que viu, do outro lado, chamou sua atenção.
E gostou tanto que não voltou mais.
Jamais o menino vira tanto livro junto assim. Aquilo era uma biblioteca. E justo naquela hora chegava uma penca de livros novinhos em folha. Pegou um deles – era “A Banana que Comeu o Macaco”, disso jamais se esqueceria pelo resto de sua vida. Em um ano, Edward leria aquele e outros 250 livros.
Aos poucos, já escrevia melhor. Um dia, o professor mandou, em que soubesse, um texto seu para um concurso. O rapazote faturou o primeiro lugar! Passou a gostar cada vez mais de negócio de ler. Abiscoitou mais um prêmio aqui e outro lá, e a até passou a ganhar algum dinheiro com isso.
Resolveu entrar para o Banco do Brasil, sonho de consumo e de carreira para jovens atrás de um bom emprego. Mas, na hora da prova, tirou um belo zero em Contabilidade. Só que os livros que habituara a ler o tempo todo o ajudariam a livrar a cara: o rapaz ganhou nota dez em todas as outras matérias!
Mais uma vez, os livros mudariam o rumo da sua vida: um dia ele corrigiu a professora numa aula do Cursinho. Argumentou tão bem que a escola não teve dúvidas: contratou na mesma hora o aluno para lecionar no lugar dela. Para dar conta das aulas de Latim na faculdade, ele resolveu ir a um sebo atrás de livros. Como o dinheiro era curto, resumiu bem resumido um e outro. Quando se deu conta, tinha feito seu próprio livro – o primeiro de uma longa série que estava por vir.
Edward e os livros pareciam mesmo fadados uns aos outros. E decidiu ir de vez atrás deles e abraçar a carreira de linguista. Acabou ficando famoso. Hoje em dia, não há faculdade de Letras no País que não estude ou tenha como referência alguma obra de Semiótica e Linguística do professor Edward Lopes.
—A arte é eterna, não a Ciência... – ele ensina.
A seleção brasileira de futebol pode ter perdido um talento incerto. Mas o País acabou ganhando um craque das letras.
Galeno Amorim é jornalista, escritor e diretor do Observatório do Livro e Leitura. Criou o Plano Nacional do Livro e Leitura, no Governo Lula, e é considerado um dos maiores especialista do tema Livro e Leitura na América Latina.

www.blogdogaleno.com.br

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